segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Fui.

Este texto não tem pretensão literária. Não tem palavra difícil nem contrução complexa. É apenas uma cartinha de despedida simples e meio jogada. Uma ruptura breve e necessária entre nós.

Eu só queria dizer, antes de amarrar as fitas com a bandeira do Brasil na mala, antes do frio gostoso na barriga, antes do avião me projetar pra trás avisando que a hora tão esperada chegou, que eu continuo a mesma, ainda que completamente diferente.

Eu continuo deixando tudo pra última hora, eu continuo ambiciosa demais e mal-humorada além da conta. Eu continuo com medo de tudo e de todos ainda que isso, por alguma razão louca, me faça amar ainda mais tudo e todos.

Mas eu também descobri coisas deliciosas a meu respeito como, por exemplo, que eu ainda tenho apetite. Depois de cinco anos emagrecendo a cada mês, agora eu voltei a engordar! Outra descoberta foi saber que assusto todo mundo com o meu espelho de Palas Atenas. Uma pessoa superficial e de mentira jamais agüentaria ficar perto de mim, quer coisa melhor que isso? Afasto as sombras ainda que muitas vezes me sobre a solidão. E é maravilhoso estar sozinha.

Descobri, depois de muito refletir, ler, fazer pilates, escrever e fazer compras, que o que realmente faz uma mulher feliz e plena é a escova progressiva. Meu cabelo está lindo, liso, brilhante e macio. Sim, eu também posso ser apenas fútil e isso é libertador.

Eu ainda choro do nada porque viver é um drama, mas sabe o que eu descobri? Que essa vida dramática é muito engraçada. Semana passada eu e algumas amigas rimos a noite inteira e celebramos o fato de sermos únicas, de sermos tão parecidas e de sermos umas das outras. Nada como o tradicional jantar de amigo-secreto das 10 amigas para relembrar que a melhor coisa do mundo são os amigos. E por isso queria dizer: Kelutcha, Rose, Suzunts, Lulu, Tchuca, Do, Jeje, Lelinha, Fefa e Deinha, eu amo vocês pra cacete. E que a caneta-sombra-mousse ficou um arraso na Carina. Lulu, você acertou em cheio no presente. Sucesso absoluto.

Queria dizer pra vocês que eu finalmente resolvi dar cabo das coisas do grandessíssimo filho-da-puta que fez desse ano, que era pra ser o melhor da minha vida, um inferno. Se o covarde não veio buscar, sinto muito. Não foi atrás das suas coisas, perdeu. A vida é assim, queridão. Vê se aprende isso de uma vez por todas. Obrigada pelos conselhos, Kiki. Você é demais e eu também amo você pra cacete.

Queria dizer pra vocês todos que, pela primeira vez na vida, depois de cinco meses, ele me ligou e eu não atendi, por pura preguiça de andar pra trás ou aceitar um amor de quem não tem amor pra dar.

Eu apenas queria dizer que eu engordei um pouquinho, mas continuo magra e meu senso de humor voltou. Por enquanto ele anda bem negro, mas já já clareia de novo.
Queria aproveitar para fazer um elogio a mim, sim, chega de me detonar. Queria dizer que, apesar de eu me sentir imensamente sozinha de vez em quando, eu sou milhares, e todas essas milhares se acham a melhor mulher do mundo. Queria bater palmas pra todas as vezes em que eu sacrifiquei o que mais amava em nome de seguir a diante com o meu fígado e todas as vezes em que fiquei pequenininha para que ficar grande fosse ainda maior.

Obrigada, a mim mesma, por ter agüentado firme, sem nunca perder a clareza da situação. Obrigada, a mim mesma, por ter me encontrado. Obrigada ter tido a paciência de esperar a dor passar. Obrigada, a mim mesma, por estar aqui.

Confio que agora, conquistar o mundo e o homem ideal vai ser ridículo. Afinal, se dei um jeito no meu cabelo, posso dar na vida também.

Hoje eu acordei nervosa e irritada com a minha viagem, aí parei e pensei: chega de se boicotar minha filha, tá na hora de você ser muito feliz.

Gente, tá na hora da gente ser muito feliz. Primeiro porque somos de verdade, depois porque somos filhos de D´us e, pra terminar, porque existe escova progressiva!

Enquanto eu não volto, deixo vocês com o filme “Na Natureza Selvagem”. Nesta fase em que namoro a solidão e amo todos os solteiros, é sempre bom tomar uma chacoalhada e ver que ninguém vive sozinho. Deixo vocês com a voz da Marisa Monte e do Seu Jorge, com a frase maravilhosa de Vinícius, “a vida só se dá pra quem se deu”, e com o temaki de salmão com cream cheese nas madrugadas. Tem ainda o esmalte Rosa Pink da Colorama, os telefonemas desesperados do meu pai e o trânsito da Berrini. Ah, e claro, a Julieta que, na minha ausência, vai finalmente conseguir dormir na cama da vovó a noite toda.

Meu peito está cheio de curiosidade e alegria. É possível sim amar a vida, ainda que qualquer amor tenha seus dias de crise. E eu só queria deixar todos vocês, enquanto eu não volto, com um pedaço de mim. Pode pegar sem cerimônia. Alma quanto mais a gente dá, mais a gente tem.

Muito obrigada aos meus 11 seguidores, aos comentaristas e aos anônimos que discutem minha vida neste blog. Vocês me dão a certeza de que eu estou exatamente onde eu deveria estar: fazendo as mulheres se sentirem menos loucas, dando porrada nos homens. Causando polêmica e fazendo todo mundo rir de si mesmo.

Vocês fazem valer todo o sacrifício, muitas vezes solitário, de ser uma pessoa sem medo de sentir de verdade a vida de dentro e a de fora.

Não me xinguem se este texto ficar muito tempo por aqui, todo mundo precisa, pra viver, morrer de vez em quando. Até a volta.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

De volta às baladas.

“Vamos pra balada?” perguntou uma amiga. Eu era uma das poucas solteiras do lugar e estava desacompanhada em um casamento com 456 casais cheirando a mofo e a sexo mecânico. Todos me olhando com aquela carinha de “calma, você vai superar isso e sua hora vai chegar”.

Achei que a idéia da balada merecia uma análise. Afinal, eu estava recém solteira e a maquiagem tinha custado caro demais para ir dormir antes de borrá-la. Resolvi arriscar.

Assim que cheguei na porta, virei os olhos pra cima “que porra eu to fazendo aqui?” Pelo que eu me lembre, há cinco anos, na balada só tinha bombados, garotas iguais, música ruim, gente perdida que circula sem parar e/ou dança em círculos. Definitivamente, esse não é o lugar para uma mulher direita e intelectual como eu.

Já estava desistindo quando minha amiga solta: “nem precisa pegar fila, meus amigos MANDAM aqui”.

Medo. Essa coisa de ter amigo que manda na balada não combina muito comigo, mas eu já estava lá mesmo. Ainda era cedo pra dormir, mas já era muito tarde pra tentar arrumar outra coisa pra fazer. Continuei em frente.

Já na entrada, um daqueles típicos segurança-armário de recintos playba me parou pra fazer aquela encenação “Segura aí, senhorita, que eu to recebendo as instruções”. Sabe a síndrome dos pequenos poderes? Sabe o zelador dono do prédio? Sabe a recepcionista metida que se acha amante do dono só porque ele fala “bom dia, princesa”, às sextas-feiras? Sabe guardinha de bairro que adora ajeitar o cinto pra mostrar a pistolinha?

Balada playba sempre tem um armário medíocre na entrada. Aquele que é o melhoooooor amiga das idiotinhas promoters e seus flayers, mas nunca pega nenhuma porque não tem carro importado.

Enfim, depois do showzinho do armário das Casas Bahia eu pude entrar. A visão de dentro era um pouco mais infernal que a de fora. Não havia sequer 1 centímetro quadrado que não fosse ocupado por alguma acéfala de vestidinho tomara-que-caia ou algum macho de pólo Diesel.

Pensei em comunicar para o armário das lojas Marabraz que, muito obrigado, mas eu não ia ficar naquela balada tão sensacional. Mas, a minha amiga que estava ao meu lado saiu correndo, pois viu seus amigos no bar. Não custava nada, já que os amigos dela MANDAM na balada, ir lá agradecer o convite, ficar mais alguns segundos e depois retornar ao maravilhoso universo da minha casa silenciosa.

Já no bar, pedi uma vodka com energético. Tinha mais gelo do que bebida no copo. E dali a pouco, nem gelo tinha. Acho que estava com sede.

Nas picapes o hit era algo como “tonight, a good night”. Na minha frente, um grupinho de melhores amigas que se odeiam brincavam de chicotear com o cabelo de formol quem atrapalhasse suas danças. Foi então que ouvi um alto e sonoro “Mazal Tov. Le´chaim”, continuação do hit “good, good night”. É, acho q tá na minha hora. Deu, Fui. Até.

Mas, no momento que planejo uma boa desculpa para a despedida, minha amiga pede com aquela carinha de chorona “to afim de um gatinho. Você vai ficar aqui comigo até eu beijar ele, não vai?” Não pude negar. Ela não estava afim de qualquer cara. Ela estava afim de um dos caras que MANDAM na balada. Fiquei.

Bebidas coloridas e fumaças doces depois (não, não é cigarro de nenhum tipo. Tô falando daquela fumaça branca que eles soltam para dar um clima “disco voador da Xuxa aterrissando” para ninguém ver você dançando que nem uma besta).

E lá estava eu bebendo mais uma. E mais outra. E, de repente, aquele “I got a feeling” não era de todo mal. Me lembrava um tempo não muito distante (cinco anos atrás) em que eu era menos crítica e mais feliz. As melhores amigas que se odeiam até que tinham seu charme. A pista ultramegamaster lotada também tinha utilidade: eu estava praticamente no colo de um carinha bonito, tamanha era a falta de espaço.

E dá-lhe vodka com energético, com guaraná, com fumacinha da nave Xuxa. E I got a feliiiiiiiiing, that tonight is gonna be a good night. Puta letra iraaaaaaaaaada. Uhuuuuuu. Adooooooro. Amigaaaaaa olha essa músicaaaaa. Quero ser a melhooooooor amiga das melhores amigas que se odeiam. Ah, que fantástica essa vida. Quero comprar armários nas Casas Bahia e nas Lojas Marabraz. Quero colecionar flyers. Quero virar promoter.

Que ser redatora, que nada. Vida chata da porra. Intelectual o cacete. Pro inferno quem quer me namorar. Quero inflar meus pulmões desse gás branco maravilhoso das pistas. Quero morrer amiga dos playbas de pólo Diesel. Adoro essa galera que MANDA na balada. Que bom que eu estou solteira. Tonight is gona be a good, good night. Puta música irada.

E de todas as dúvidas existenciais que carrego nessa fase de transição, só restavam três: eu não conseguia decidir se tinha 16, 17 ou 18 anos. Acabei escolhendo 17, aquela fase sensacional em que nada é sua culpa, mas já dá pra entrar na balada sem mostrar a identidade pro armário.

No final da noite (começo da manhã) eu já não tinha mais maquiagem no rosto e meu vestido era uma massa amorfa. Era hora de voltar para casa. De taxi, porque meninas de 17 anos (e também meninas de 26, bêbadas) não dirigem.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Quase.

Eu quase consegui me entregar para alguém semana passada. Por um instante eu fechei os olhos e senti meu peito esvaziado de você. Foi realmente quase.

Final de semana, me diverti tanto com uma amiga, tanto que quase fui feliz de novo.
Eu achei que quando passasse o tempo. Eu achei que quando finalmente visse você tão livre, tão forte e tão indiferente. Eu achei que quando eu sentisse o fim, achei que passaria. Não passa nunca, mas quase passa todos os dias.

Chorar deixou de ser uma necessidade e virou apenas uma iminência. Sofrer deixou de ser algo maior do que eu e passou a ser um pontinho ali, no mesmo lugar, incomodando a cada segundo, me lembrando o tempo todo que aquele pontinho é um resto, um quase não pontinho.

Você, que já foi tudo e mais um pouco, é agora um quase. Um quase que não me deixa ser inteira em nada, plena em nada, tranqüila em nada, feliz em nada.

Todos os dias eu quase te ligo. Eu quase consigo ser leve e eu quase consigo te tratar como nada. Mas aí quase desisto de tudo, quase ignoro tudo. Sem nenhuma ansiedade, quase termino o dia tendo a certeza de que é só mais um dia com um restinho de quase e que um restinho de quase, uma hora, quase sempre, vira nada. Mas não vira nada quase nunca.

Eu quase consegui te amar exatamente como você era, quase. E é justamente por eu nunca ter sido inteira pra você que meu fim de amor também não consegue ser inteiro.

Eu quase não te amo mais, eu quase não te odeio, eu quase não morro com a sua presença, eu quase não escrevo mais textos sobre você.

O problema é que todo o resto de mim que sobra, tirando o que quase sou, quase não sei quem é.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Quatro meses depois.

Na guerra ou na vida, caminhar em outra direção é essencial em qualquer boa estratégia.

As mudanças simplesmente aconteceram. Vieram até mim de maneira brusca, dolorida e inesperada. Atropelaram a minha vontade, detiveram minha marcha e machucaram a minha existência.

Depois de passada a raiva de D ´us, do destino, do homem, do macho, da “outra”, fui forçada a enxergar a situação sob outro prisma, com mais frieza e, por isso mesmo, de forma mais sensata e isenta dos erros de julgamento que a intensidade e o envolvimento me levaram a cometer.

A tempestade passou. O céu clareou. Ainda existem coisas quebradas e fora do lugar, é verdade. Mas, o grande barato de ter a vida de cabeça pra baixo foi sentir os efeitos desse redimensionamento inesperado.

Agora, em fase de retomada já consigo enxergar a placa de "rua sem saída" que sempre esteve lá na trilha passada, mas eu teimava em não ver. Ou, o brilho atraente que precede meus novos dias.

Mas não posso contar com milagres, preciso da razão para seguir em frente. É inútil proclamar independência emocional por medo de desiludir-me novamente ou tornar-me escrava das paixões para curar a ferida exposta.

Depois de sofrer feito o cão por encarar tudo na base do oito ou oitenta, fiz um pacto comigo mesma: jamais levarei coisa alguma a ferro e fogo porque nada importa tanto.

Absolutamente nada é imprescindível. Nem ninguém. Esse não é um discurso de auto-suficiência, pelo contrário, é uma reflexão de alguém que aprendeu na porrada, ou melhor, no choro, que só relativizando, tornando a existência e o coração mais leves, é que se pode ser feliz. Primeiro sozinha e, então, ser feliz com alguém.

Arrastei correntes, tolerei demais, juntei R$ 95 mil em dez dias, fiquei dois anos sem carro, amei incondicionalmente, emagreci, pirei. Levei tudo tão a sério e a única coisa que consegui foi uma úlcera e uma tristeza que quase me enlouquece de vez.

Cuidarei de quem amar, quando me apaixonar de novo. Mas jamais farei disso o objetivo da minha vida.

Assim, evito ficar frustrada quando não tiver dele o que dei pra ele. Ou não tiver dele o que ACHAR que ele deveria devolver.

Fiz o que quis, porque quis, então não posso reclamar o troféu. Não existe prêmio para quem doa amor.

Recuei diante da tela que estampa a minha história. Mudei de ângulo, observei as cores, os traços e os detalhes que, naquela relação sufocante, passaram despercebidos.

Notei que há muito, mas muito mais na minha vastidão do que aquele ponto preto que ficava, insistente, diante dos meus olhos.

Aprendi que ser feliz, no final das contas, não é questão de sorte ou azar. É questão de perspectiva.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Hoje.

É hoje. Ou melhor, seria hoje. Estava meio perdida. Seus olhos vagavam por um espaço inexistente, atemporal. Sentada na cama, observa a pele machucada pelo vidro quebrado. Não se preocupava com a solidão. Naquele dia, era o que menos importava.

A madrugada era preenchida por si mesma e por um silêncio atordoante. Os amigos, tão acolhedores, a essa altura, certamente já se entregam ao sono.

O cansaço da luta para se manter de pé a acompanhava. Nada podia fazer para se acalmar. Seus textos, um dia tão sedutores, haviam calado. Suas palavras transformadoras, secado. Estava fechada para qualquer tipo de coragem. O espaço para o novo era preenchido pelos destroços do velho.

Parecia definhada a vontade. Farrapos de passado ainda restavam na vida diária e rotineira. A única diversão era ser infeliz com as lembranças.

Havia estado, por muitos dias, desolada. Cortes não cicatrizam assim tão depressa e sua ferida ainda doía. O mundo havia se transformado em granito cinzento. Atravessar aquelas horas era algo que pesava e exigia demasiado esforço.

Perdera, por diversas vezes, o rumo de sua história. Criou, então, sua própria verdade. Tentou iludir-se com a esperança de que depois desta noite tudo ia passar. E se entregou àquela parte do seu ser onde só existe o que gostaríamos que existisse e geralmente não há nada.

“Besteira sonhar com dias alegres” pensou. Teve receio de afundar mais e soterrar-se em seus próprios remorsos. Poderia não suportar o peso de acreditar em um futuro sem dor. E se ele nunca viesse? E se amanhã eu acordar com a mesma angustia que me estapeia há 4 meses? Outra decepção seria devastadora.

Revirava suas gavetas em busca de algo que lhe confortasse e remetesse a um tempo de plena felicidade: bilhetinhos, fotos de abraços, cartas com declarações. Encontrou tudo isso. Mas viu, com olhos deturpados pela tristeza, seu ser ilhado numa moldura escura, ao lado de alguém que havia sido morto por ela. Alguém que a tinha matado muito antes.

Fora reduzida a nada. Só não sabia se por ele ou por ela mesma. Correra com os preparativos sem chegar ao dia que tanto idealizou. Precisava resgatar suas forças. Rogava por elas. E pela vontade de renascer. As acharia?

Vultos dele e dela passeavam pela casa, levando e trazendo consigo faíscas de imagens que jamais aconteceriam. Ele abotoava o terno e se controlava para não chorar. Ela, de roupão, mas já maquiada, mirava o espelho enquanto a cabeleireira prendia o véu na sua cabeça. Familiares e fotógrafos também estavam lá, rondando, correndo, gritando para não chegarem atrasados ao evento a que nem foram convidados. Pudera o convite ter ido pra gráfica.

Dava tapas no ar para expulsar as figuras desbotadas dalí. Elas insistiam. Pareciam não perceber que aquele sonho fora interrompido, transformando o último sábado de novembro em um dia qualquer. O dia do “sim”, no dia do “não”.
O quarto com janelas e porta fechadas a enclausurava dentro de uma esfera de pensamentos torturantes. Nem tão alucinada, nem tão sã, conseguia distinguir algumas coisas. Sua vontade de desaparecer era uma delas.

Gostaria de poder se surpreender e encarar esse dia como vitória. Mas, um grande desânimo dominava todo seu corpo. Estava atrofiada de tanta amargura depositada nessa data quase inventada.

Sua capacidade de reter dores era ilimitada. Sofria pelo vestido branco que não usaria. Pelas músicas que não dançaria, pelos abraços que não receberia. Pelos presentes que não abriria. Pela viagem que não faria. Pela fantasia que não viveria. Pelos planos que não se realizariam.

As mágoas reacendiam. As forças minguavam. Enquanto o sol aparecia sem nem sequer iluminar a escuridão. Nesses seus anos de vida, nunca, mas nunca, uma noite havia sido tão insuportável. Afinal, era 28 de novembro de 2009.

domingo, 22 de novembro de 2009

Todas as mulheres do mundo.

Tem dias que eu acordo querendo ser Joana D´Arc. Vestir minha armadura de ferro para enfrentar os meus demônios. Ter a força de lutar pelo que eu acredito, nem que o final da minha história seja na fogueira.

Em outros queria ser Agatha Christie e inventar para a minha vida grandes mistérios em loucas viagens pelo Orient Express.

Ou talvez como Clarice Lispector, responder com palavras cínicas aos tapas que o destino distribui.

Quem sabe até me embriagar e cantar as amarguras dos meus amores com a voz rouca da Billie Holiday.

Ser Frida Kahlo e assumir todas as minhas diferenças, pintar numa tela as minhas entranhas e fraquezas.

Me transformar na musa de Serge Gainsbourg, prazer, sou Jane Birkin e o modelo de bolsa mais famoso do mundo leva meu nome.

Atirar brioches pela janela e ser lembrada como Maria Antonieta, a mulher mais fútil da história. Ou Golda Meir, "o único homem do gabinete de Ben Gurion".

Até a brilhante e transgressora Simone de Beauvoir. E por que não a sarada pegadora de menininhos Madonna ou a loira de beleza invejável Merlyn Monroe?

Tem dias para tudo, até para ficar feliz em ser "apenas" eu.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Dá pra fechar a janela?

Que dia mais estranho, pensou. Viu que o sol quase queimava seus olhos. Era novembro, mês em que sentia dores fundas. Uma casamento que não aconteceria, uma despedida sofrida, um feriado de solidão.

Desejou ser outra por um dia. Queria ser irresponsável, abusada e folgada. Pensou em ter alguém pra sugar, queria parasitar na felicidade de outro e se embebedar numa alegria que não era sua.

Queria mandar quem não sofria com ela tomar no cu, ir pra putaquepariu. E queria achar graça disso. Queria não reclamar e preencher o vazio que sentia com palavras. Escrever bonito, para provar a si mesma que tinha algum valor diante da vida.

Quando viu linhas prateadas em volta das nuvens, quis sentar ao ar livre e escrever, ler e fumar, mesmo sabendo que não fumava. De alguma forma, hoje precisava transgredir. Trair, seduzir, errar, magoar, se enclausar e mergulhar no buraco de dimensões infinitas que existia dentro dela.

Queria não entender, queria sofrer e fazer sofrer com seu egoísmo. Teve vontade de morrer só por um dia. Distribuiu suas farpas a todos que a cercavam.

Agora chorava. Quis ser fútil, ser muito mais loira, peituda, vulgar e gostosa. Ser invejosa e burra. Quis ser fraca e frágil, por acreditar piamente que D´us só nos manda o que podemos suportar.

Queria saciar-se só com um vestido novo, que o dinheiro compra. Amor, amigas, paz, sucesso, reconhecimento e elogios de nada iam valer.

Música, sexo, cerveja e gargalhada. Nem nisso conseguia pensar quando abria a maldita janela da depressão para deixar um vento gelado entrar, retalhar o corpo, dilacerar as entranhas, varrer os pensamentos, até sentir que sua existência virou poeira e difundiu-se nessa mesma brisa que ela tanto evitou que chegasse.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Aluga-se.

Pode tirar essa preocupação da sua cabeça. Não é por você que eu estou apaixonada. É pela idéia de que isso vai acontecer comigo de novo.

Preciso de um rosto para preencher a falta de uma paixão, pra pensar antes de dormir, para dar expressão ao homem que aparece em meus sonhos. E por você ser tão bonito, achei conveniente colocar os seus traços no meu herói.

Ora, não dá para imaginar uma fumaça se declarando pra mim, me fazendo surpresas, né? Entende que, para que meus sonhos cumpram a função de sonhos, que é me dar forças e me fazer acordar todos os dias, eles precisam ser minimamente palpáveis e reais?

Então, peguei um cara, idealizei, montei um jeitinho irresistível, fiz ele apaixonado por mim, me apaixonei de volta e coloquei seu sorriso e seu corpo nele. Juntos, vivemos uma história cheia de paixão.

Por isso, acabo suspirando por você, ou melhor, pelo homem que criei e tem a sua fisionomia.

Apenas preciso de alguém para ocupar minha cabeça e fazer o tempo passar mais rápido enquanto estiver dirigindo ou tomando banho. E acabo imaginando que é “você” toda vez que um carro buzina, o celular toca ou um e-mail chega.

Não posso esquecer como é estar junto de alguém, se não me apaixono por estar só. Porque, sinceramente, quando olho no espelho, acho que a solidão me cai muito bem.

Portanto, não se assuste, nem tampouco se encha de si, se eu convidar você para sair, ligar a noite ou querer saber para onde vai no feriado. São palavras e gestos tão verdadeiros quanto efêmeros. Mas não é isso que você quer?

É que mesmo sem estar apaixonada, quero inflar de paixão tudo que faço. Você só calhou de ser a peça do outro lado do tabuleiro.

Não precisa me tratar cheio de dedos, com receio de que algo que faça ou diga desperte em mim um amor incondicional.

Peguei você emprestado, um pouquinho. Mas, prometo. Assim que me apaixonar por alguém de carne e osso, devolvo, tá?

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Nós.

Onde. Desato. Este. Fio. De. Lembrança. Que. Vem. Toda. Vez. Que. Ouço. A. Canção. Sinto. O. Cheiro. Mordo. Qualquer. Pedaço. De. Tantas. Coisas? Ficamos. Nós. Amarrados. Um. Ao. Outro. Sem. Saber. Como. Desenrolar. Cada. Um. Dos. Poucos. Restos. De. Nós. Mesmos. Que. Ainda. Estão. Embolados. Formando. Um. Novelo. De. Cor. Indefinida. Sobraram. Nós. Que. Nos. Atam. Embaixo. Do. Mesmo. Teto. Do. Mesmo. Lençol. Do. Mesmo. Guarda-chuva. Nós. Que. Não. Deixam. A. Vida. Caminhar. Sem. Tropeçar. E. Que. Não. Deixam. Esse. Texto. Fluir. Fica. Tudo. Truncado. Na. Garganta. Também. Cheia. De. Nós. Que. Só. Quer. Gritar. Quanto. Tempo. Demora. Para. Soltar. Todos. Os. Fios. Que. Ficaram. Gastos. Pelo. Tempo. Puídos. Pela. Dor. Salgados. Por. Tanta. Lágrima? E. Que. Mesmo. Assim. Não. Se. Soltam. Presos. Por. Linhas. Feitas. De. Histórias. Que. Agora. Nem. Precisam. Fazer. Sentido. É. Melhor. Assim. Então. Me. Ajude. Aqui. Com. Mais. Esse. Nó. Esse. Que. Ainda. Segura. Forte. Aperta. Machuca. Mas. Que. A. Gente. Não. Quer. Soltar. De. Jeito. Nenhum. Porque. Tantas. Vezes. Trançamos. Pernas. Braços. Bocas. Tão. Bem. Entrelaçados. Que. Não. Conseguimos. Entender. Porque. Nada. Mais. Se. Encaixa. Como. Antes. Um. De. Nós. Se. Soltou. Mais. Que. O. Outro. Agora. Vai. Até. Onde. Consegue. Chegar. Mesmo. Sem. Querer. Mas. Sabendo. Que. Precisa. Se. Desenrolar. Até. Achar. O. Próximo. Nó.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Para rir da TPM. Das outras.

Ainda estava pregada em sua cama quentinha quando ouviu um barulho na rua. Demorou a entender a gritaria. Com a boca colada no travesseiro e a sobrancelha franzida, se perguntou baixinho se tinha jogo do Brasil, corrida ou se era festa junina.

Alguns segundos mais foram necessários para Kátia entender que ainda era outubro, que não tinha jogo nem corrida e que, pior, era seu aniversário.

- Saco. Diazinho de merda. Foda-se que eu nasci há uma caralhada de anos.

Demorou a se atentar para a razão do burburinho lá fora.

- Kátia Maria, vem aqui fora que nóis tem um recado de alguém que te ama muito.

Antes fosse um pesadelo. Kátia Maria resolveu fingir que não era com ela. Mas a voz feminina grotesca insistia enquanto assassinava o português.

- Kátia, vem cá logo. Ou você quer que a gente suba, hein? Nóis veio aqui só por você. Foi o Wellington quem contratou nóis pra fazer dessa sua manhã um momento de magia encantada.

Não restava outra opção. Ela pegou o elevador, ainda com a camiseta velha que usava para dormir e descalça. Ficou, de costas para o espelho, claro.

- Olha gente, é ela vindo aí! êêêê! Vamo bater palmas pra aniversariante!

A caminhada lenta e a expressão pesada de Kátia foram transformando a alegria contagiante da trupe bizarra em um constrangimento geral. Até os vizinhos curiosos, que desfilavam com seus pijamas na calçada, ficaram em silêncio.

Com cara de poucos amigos, poucos não, com cara de amigo nenhum, Kátia ficou parada na porta. Com uma das mãos tapava o sol. A outra estava apoiada sobre a cintura. Deu alguns passos e falou para a oxigenada que a acordou.

- Presta atenção. Eu odeio esse tipo de telegrama. Dá pra ir embora? Se não por mim, pelo amor de D´us?

Virou-se pra Wellington e terminou.

- Que porra é essa?
- Gostou?
- Olha minha cara de alegria.
- Parece alegria não.
- Claro que não.
- Então não gostou?
- De qual parte? Das bexigas em formato de poodle? Dessa bandinha fedida? Da cabeça de Mickey no corpo do pica-pau? Ou dessa analfabeta com cara de candidata a big brother?

A multidão calou-se por uns segundos. Ouviam apenas a bandinha que continuava, ainda que bem baixinho, tocando Como uma Deusaaaa.

Kátia estava certa de que havia conseguido expulsar todos dali. Mas uma risada comunitária ensurdeceu a multidão.

-Eu tô falando sério, num é pra rir. Wellington, é assim que você quer voltar pra mim? Você vai conquistar é meu ódio desse jeito. Telegrama animado já é um horror. Mas esse daqui. Isso é o portal do inferno. Furreca que o ó. Fala sério!
- Eu não conhecia nenhum. Achei esse no catálogo.
- Você devia ter ido na letra T, de telegrama, e não na A, de aberrações.

Enquanto os vizinhos se esbaldavam de rir, os integrantes do telegrama foram saindo de fininho.

- Olha isso. Você espantou eles. São trabalhadores, Kátia. Acordaram cedo pra chegar aqui antes de você acordar.
- Se chegassem aqui meio-dia eles ainda iam me acordar, Wellington. Agora eu sou a vilã, é? Ó, filhão, some e leva junto a Turma do Didi. Além do que tá na hora do meu cocô da manhã. Gente, desculpa o tumulto, viu? Da próxima vez prometo que não falo nada. Jogo uma bomba logo.

E mais uma vez a multidão respondia com risadas.

Wellington foi embora direto pro bar, tomar uma cachaça. Se antes tinha que esquecer Kátia Maria , agora tinha que esquecer a humilhação toda.

Quando entrava de volta no prédio, Kátia ouviu alguém gritando por ela.

- Ei!

Virou e lá estava um dos membros da bandinha, com uma roupa uns três tamanhos maior que ele. Tinha ombreiras douradas com uma franjinha encardida. Os botões eram grandes e cheio de rococós. Ela deu uma manjada no rapazinho e mandou:

- Que foi, paquita?
- Eu sou Olavo, dono do Telegrama.
- E?
- Tá ruim, eu sei. A Lúcia Kelly, essa aí que chama as pessoas, é fraquinha mesmo. É que eu conheci ela num forró e prometi que ia fazer ela ficar famosa. Era papo só pra pegar, sabe?, mas aí depois...
- Amigo. Pára. Tá me embrulhando o estômago.
- Desculpa. Mas então. Você é muito simpática, engraçada, espirituosa. Quer o emprego?
- Tá de sacanagem?
- Não.
- Isso faz parte do telegrama? Tipo... é a parte do susto, da pegadinha?
- Prometo que é verdade.
- Nem fudendo.
- 50 por telegrama.
- Tô fora, paquita.
- 55?
- Cara... de boa. Sai daqui.
- 60?
- Some. Vaza.
- Tá. Tô indo.

Ele já passava do portão quando ela gritou.

- Ô, paquita!
- Oi?
- Haha. Olhou.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O importante é o cara ser gato.

Amo cachorros. Tenho três. A pequena Julieta, em especial, tem de mim um amor tão incondicional quanto imensurável. É ela que alivia minha tristeza, com seu afago quase sutil. E que impulsiona minha alegria com um simples movimento de cauda.

Mas, falando de machos, prefiro os gatos. Quando se trata de homem, para dividir minha vida, meus sonhos, meu dia-a-dia, meus planos, minha alma e minha cama, é preciso ser gato.

Não me refiro a um rosto bem desenhado ou abdome rasgado, claro. E a nenhum traço físico. Falo em ser gato na personalidade, no jeito, na essência. Não é a toa que cachorro é xingamento e gato, elogio.

Gatos não precisam de ninguém para dar comida, arrumar uma gata gostosa ou se distrair. Sabem muito bem viver sozinhos, mas oferecem o prazer de sua companhia. Se estivermos à altura, é óbvio. Gatos só se deixam "criar" por pessoas pelas quais têm o mínimo de respeito. Já viu mendigos ou bêbados com gatos de estimação? São, por natureza, independentes.

Eles nos olham como se fôssemos completos imbecis, quando soltamos alguma estupidez do tipo "Fofinho, vem com a mami". Já que vamos abrir a boca, que seja para algo que preste. Ou os deixemos dormir no canto deles, sozinhos, pois o sono é sagrado, queridona.

São elegantes. Pouco importa se moram na rua ou numa almofada fofa, os gatos satisfazem-se com o que são e não precisam ir ao pet shop colocar lacinho e perfume pra serem aceitos. Não admitem humilhação: que gostem deles do jeito como são ou os esqueçam, porque pra eles tanto faz.

Charmosos. Nunca se vêem gatos transando, atracados no meio da rua, de bando. São amantes noturnos, discretos. Esperam o momento certo de partir pra cima da fêmea. Nunca na frente de outros gatos (leia-se amigos), e nem na frente de ninguém. Eles não precisam mostrar que faturaram a gata.

Eles não fazem festa quando chegamos em casa, não babam com o linguão pra fora ou rolam pelo chão, mas sabem direitinho quando estamos tristes. Daí chegam, como quem não quer nada, sobem no nosso colo, ronronam, aconchegam-se e dormem um pouco, prestando solidariedade. Não são disponíveis nem estão ao alcance da mão todo o tempo, é certo, mas quando um gato está com você pode ter certeza de que ele não gostaria de estar em mais nenhum outro lugar. E nem faz aquilo por hábito ou obrigação. Diferentemente dos cães, gatos não querem ter um dono, e sim compartilhar bons momentos. São honestos.

Não mentem, não têm hierarquia, não fingem gostar de crianças, não sorriem quando na verdade querem que você suma, vá se divertir com as amigas e os deixem em paz. São preguiçosos, sedutores, imprevisíveis, enigmáticos e interessantes. Defeitos e virtudes no ponto certo.

Conviver com eles requer maturidade. Não são traiçoeiros, são livres. São autênticos, por isso são difíceis e têm fama de "mau". Mas para a maioria (das mulheres), é muito mais fácil lidar com mentiras gentis, babação de ovo e puxação de saco, por isso desfilam por aí com um cãozinho à tira colo.

E eu que nunca gostei de nada fácil, principalmente depois de ter passado cinco anos com um cachorro, que se perdia quando não era conduzido por uma guia (foi só eu passar três dias em Buenos Aires, que ele fez lambança e cagou na sala toda), parodio Vinícius numa frase que, ultimamente, tornou-se um mantra na procura pelo homem ideal: os caninos que me desculpem, mas ser gato é fundamental.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Bem-feito.

O que tenho a dizer para você?

“Certamente você não é tão ruim. É só alguém que pisou na bola, como acontece com todos nós. Mas nenhum dos 'todos nós' dividia a vida comigo. Não importa se tenho razão ou se meus motivos são fortes o suficiente para dizer o que digo. Aprendi algo importante desde que nos separamos: fome e dor não se medem. Cada um tem o seu limite. Passei muito tempo com o meu à beira do insuportável. Se te desprezo tanto assim, por que perdi tempo escrevendo este texto? Porque sei que ele conseguirá algo que eu já não conseguia e que me massacrava: surtir algum efeito em você."

Seria lindo dizer 'Espero que você seja feliz'. Mas quero seu arrependimento seguido de um indisfarçável rastejar.

Ao contrário de você, confesso meu erro em prometer sinceridade constante e não cumprir. Escondi minha raiva pelas suas derrapadas, falta de argumentos, omissões antes eventuais e depois tão freqüentes. Não disse o que me aborrecia com medo de desandar as coisas entre nós, sem notar que já não existia 'entre nós', só entre mim e alguém que se esqueceu de apagar a luz ao sair para deixar evidente o abandono do recinto.

A maior vitória disso tudo não foi triturá-lo. Foi descobrir que não me basta viver ao lado de alguém emocionalmente surdo e cego, nutrindo-me de expectativas tão frágeis. Eu não chorei por você. Chorei por uma idéia que fracassava. Por um sonho que virou pó. Por uma esperança que se esfarelou entre meus dedos.

Agora, uma das sensações mais prazerosas da existência humana dá deleite a meu ser: ver chorando alguém que me fez sofrer.

Meu amor era incalculável, e, por isso, tanto enorme é a alegria mórbida em observá-lo a debater-se com sua tristeza, como um peixe pendurado pelo rabo para fora do aquário. E bem pertinho da água.

Parei de ignorar ou fingir que meu sadismo não existe. Todos somos maus quando temos oportunidade. Não é porque um espasmo de satisfação percorre o meu corpo perante as suas lágrimas que me torno desprezível. Ele ocorre tão naturalmente quanto um largo sorriso quando observo a vitória de quem amo.

Minha mão, sempre pronta para ajudar, foi rejeitada como um pedaço de pão velho. Agora, dá tapinhas nas suas costas. E bate palmas perante o espetáculo, tão contrangedor quanto divertido.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Samba de Orly - Para meu Belindo.

Vai meu irmão
Pegue esse avião
Você tem razão
De correr assim
Desse frio, mas beija
O meu Rio de Janeiro
Antes que um aventureiro
Lance mão.

Pede perdão pela duração
Dessa temporada
Mas não diga nada
Que me viu chorando
E pros da pesada
Diz que eu vou levando.

Vê como é que anda
Aquela vida à tôa
E se puder me manda
Uma notícia boa.

Chico / Toquinho / Vinícius.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Não venha meter o amor no meio.

Sempre me intrigou o termo “fazer amor”. Tirando o fato de ser brega até o talo, nunca entendi porque deram ao sexo esse peso todo. Amor não se faz ali na cama, na banheira, em pé, sentado, ou quietinho em banheiros públicos. Amor se faz nos planos, nas conversas, nas piadinhas, nos apelidos. Trepar, fuder, transar é outra coisa. Nada disso precisa de amor para acontecer, muito menos para ser bom.

É claro que estar numa relação dá mais tranqüilidade e intimidade. Às mais preservadas, dá a segurança necessária para mandar uns ‘vai com força, safado’, ou ‘bate na minha bunda, gostosão’ sem parecer uma ninfo sedenta. Também faz o dia seguinte ser mais leve. Sem ressaca moral, sem lembrar a cara do sujeito e imaginar o que ele achou. Sem esperar o telefone tocar ou um novo convite surgir.

Mas vamos combinar que, no vai e vem da criança, não tem amor que faça diferença. É suor, instinto, olho virado e lábio mordido, é todo mundo querendo gozar. É tira, põe, rebola, mexe, geme, quica, gira e o que a flexibilidade humana permitir.

O sentimento em si, o amor, a vontade de casar, ter filhos, o carinho, o cuidado, nada disso influencia a qualidade do sexo. Ou vai dizer que você nunca deu umazinha inesquecível com uma pessoa que não amava?

Claro que trepar com amor tem um clima diferente. Mas isso tudo se manifesta nas preliminares, não no pau quebrando em si. Eu estou falando é da hora que o cuco funciona, que a jeripoca pia, que a maria-fumaça apita. De um em cima e outro embaixo, de um de quatro e outro ajoelhado. Tô falando de hormônios ensandecidos que independem de amor pra se manifestar. Que funcionam com toque, com estímulos físicos. Por mais que você ame o cara que está lá colado em você, quero ver manter um olhar doce e meigo enquanto está com as costas roçando num lençol e o fulano suado rasgando tudo em cima. Quero ver o cara, enquanto está atrás da mulher, vendo aquela bundona ali dando oi pra ele, aquela coisa toda arreganhada, por mais apaixonado que esteja, pensar que vai se encaixar ali com amor. Ah, não. E não tem nada de errado em não haver amor nesse momento. É, na verdade, uma prova de que ainda existe justiça nesse mundo doido. Porque tanto os casais mais enamorados quanto os recém-conhecidos podem ter o mesmo prazer.

Se amor bastasse pro sexo ser delicioso, se a qualidade da xuxada fosse proporcional ao amor que o casal sente, relacionamentos não balançariam por falta de encaixe, em todos os sentidos. Vale amor com sexo e sexo sem amor. Só não vale “fazer amor”. Pelo amor, né?

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Heroicamente livre.

Pronto. Estou livre. Sou dona de mim, única a responder pelos meus atos. O compromisso virou um lugar estreito e me repeliu como o útero expulsa o feto depois de formado. Simplesmente, parei de caber ali.

Posso tentar voltar e ignorar que o passado é pequeno demais para as dimensões que atingi. Ora, se aparar algumas arestas, é possível viver de novo naquela relação.

Escolho caminhar em corda bamba até o limite de meu sonho, sem nem olhar para trás. As vísceras torturadas me guiam para a direção oposta à estagnação. Quero o fluxo, quero a ação de morrer e nascer para que um novo eu se construa dentro de mim.

Um eu instintivo, primário que se apega ao desapego como forma sincera de liberdade. Minhas vontades explodem em voluptuosidade. A fúria dos impulsos é meu último refúgio.

Só tenho q fazer uma confissão: estou um pouco assustada. É que não sei onde me levará essa minha liberdade. Não é arbitrária nem libertina. Mas estou solta.

Antes de me organizar para lidar com esse novo eu, tenho que me desorganizar inteiramente, para poder experimentar o primeiro e passageiro estado de liberdade. Da liberdade de errar, cair, levantar-me, descobrir-me e compreender.

Mas, se eu esperar compreender para aceitar as coisas, nunca o ato de entrega se fará. Se quiser de fato sentir a plenitude deste instante de liberdade, tenho que dar o mergulho no desconhecido, de uma só vez. Mergulho que abrange a compreensão e, sobretudo, a incompreensão.

E quem sou eu para ousar compreender? Devo entregar-me. Sem pensar nem pestanejar. Como? Sei somente que andando é que se aprende a andar.

Então, marcho em direção ao futuro, tendo como único obstáculo saber que há pouco, muito pouco a perder.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Quem é você, afinal?

Não me interessa o que você faz para viver. Quero saber o que deseja ardentemente, e se você se atreve a sonhar em encontrar as mais obscuras vontades do seu coração.

Não me interessa quantos anos você tem. Quero saber se você arriscaria parecer um tolo por amor, por seus sonhos ou pela simples aventura de estar vivo. Não me interessa qual seu signo. Quero saber se já tocou o centro de sua própria tristeza e o que fez com as traições da vida: se tornou-se mais aberto e forte ou murcho e fechado por medo das futuras mágoas.

Quero saber se você resiste à dor, sem tentar escondê-la, diminuí-la ou tratá-la. Quero saber se você é capaz de dançar por toda noite e deixar que o êxtase tome conta de seu corpo, dos cabelos aos dedos do pé, ignorando as limitações de ser humano.

Não me interessa se a história que você está contando é verdadeira. Quero saber se você pode desapontar alguém para ser honesto com você mesmo; se você pode suportar acusações de traição por ser leal e confiável à sua própria personalidade.

Quero saber se você pode ver a beleza em atos corriqueiros que a rotina torna banal. E se você pode buscar a fonte de sua vida no simples fato de acordar todos os dias. Quero saber se você pode conviver com o fracasso e ainda assim fincar os pés no chão e seguir adiante.

Não me interessa saber onde mora e quanto dinheiro você tem. Quero saber se você pode levantar depois de uma noite de desespero, cansado e machucado até os ossos e ainda assim fazer o que for preciso para conseguir um sorriso meu.

Não me interessa quem você é, como chegou até aqui. Quero saber se você vai se postar no meio do fogo comigo, sem se encolher nem recuar.

Não me interessa onde ou o que ou com quem você estudou. Quero saber o que o sustenta por dentro quando suas expectativas derretem. Quero saber se você é capaz de ficar só consigo mesmo e se realmente gosta da companhia que encontra nos momentos vazios.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Rehab

Meus olhos se abriram. E pareciam ser a única parte do corpo capaz de se mover. Inútil tentar levantar-se.

Poderia esforçar-me, fincar o pé direito no chão e me convencer de que hoje superaria tudo. Mas não.

Hoje não saio daqui. Vou deixar o choro me invadir por todo o dia. Vou permitir que a sua lembrança me estapeie, devaste todo meu interior, transformando ossos em pó, coração em cinzas, sangue em concreto.

Vamos lá, dor, você tem 24 horas para causar todos os danos que lhe é direito. Vá com tudo. Penetre como uma lâmina em minhas veias. Percorra todo meu corpo até alcançar o inconsciente. Tome para si qualquer resquício de energia que encontrar. Engula as forças que cruzarem seu caminho e a impedirem de demolir-me. Deixe-me em pânico, contorcendo-me.

Ao final dessas 24 horas, recolha os seus e suma. Vá para bem longe e nem pense em voltar tão cedo. Se tentar aproximar-se novamente, será barrada como uma gata na portaria.

Mas, por favor, antes de sair, deixe tudo como encontrou. Coloque tudo no lugar, direitinho. E, como recompensa por tê-la deixado se esbaldar, reforce as estruturas: aperte as dobradiças, passe mais uma camada de tinta e erga imponentes pilares de sustentação, só para garantir que a destruição não virá em nuances tão fortes da próxima vez.

Olhei para o relógio, gravei as horas e minutos e disse baixinho: um, dois, três, valendo. Coloquei-me em posição fetal, apertei as pálpebras e franzi a testa.

Assim fiquei até o dia seguinte, atravessando uma funda noite, cujo louco vento me trouxe fiapos de gritos.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Atente você, desconhecido.

Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir.
Não se mostre indiferente, tenho o péssimo hábito de revidar.
Toque muito em mim, principalmente nas mãos e minta sobre minha estonteante beleza.
Tenho vida própria, faça-me sentir saudades, conte algumas coisas que me façam rir e admirá-lo.
Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto.
Acredite nas verdades que digo e também nas mentiras. Elas serão raras e sempre por uma boa causa.
Respeite meu choro, deixe-me sozinha, só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre, pois eu também gosto de ser contrariada.
Seja mais forte que eu e menos egoísta.
Não se vista tão bem. Gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço.
Reverenciarei tudo em você que estiver ao meu gosto: boca, cabelos, os pelos do peito e o joelho esfolado. Você tem que se esfolar as vezes, mesmo na sua idade. Assim, terá uma boa desculpa para que eu cuide de você. Leia, escolha seus próprios livros, releia-os.
Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida.
Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes.
Enlouqueça-me uma vez por semana. Goste de música e de sexo. Goste de um esporte não muito banal.
Não invente de querer muitos filhos, carregar-me para jantares pacatos, apresentar sua família. Isso a gente vê depois, se calhar.
Quero ver você nervoso, inquieto.
Olhe para outras mulheres e ache que eu sou melhor que elas, por qualquer razão.
Tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Não me conte seus segredos.
Faça-me massagem nos ombros.
Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções.
Rapte-me e, por fim, se nada disso funcionar, experimente me amar.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Saudades

Estava arrasada, completamente devastada. O que seria da sua vida sem ele? Fazia menos de uma hora que descobrira a traição. Mas parecia que já durava um mês.

Ficou ali, olhando para o teto, derretendo-se em lágrimas. Lembrava e relembrava fatos, frases, cenas, sempre tentando desesperadamente se apegar ao que agora não existia mais. Sentia o estômago retorcer, a garganta fechar e o coração apertar.

O telefone tocou. Suspeitou que fosse ele. Temendo gritar, fechou bem os olhos para conter a dor dentro do corpo. Era uma amiga que, sabendo da notícia ofereceu palavras em consolo.

Conversaram por horas. Em um esforço sobre humano, a amiga até conseguiu arrancar uma risada da enlutada. Por fim, desligou e pensou há quanto tempo não papeava ao telefone com uma pessoa querida. Como era bom aquilo. Por que deixara de lado?

Passados alguns dias, recebeu o convite para sair com alguém que não conhecia. Percebeu a espinha gelar. Resolveu aceitar. Abriu o armário para escolher o que vestir. Viu as camisas, bermudas e tênis que ele mantinha ali. Lembrou de como tinham chegado àquela intimidade. Desde o primeiro encontro até o dia que teve de separar uma repartição do guarda-roupa para as coisas dele. Aproximou-se das peças do ex. O coração palpitou, mas, forçadamente, sentiu o perfume de outra mulher e guardou as camisas numa caixa.

Durante o encontro, conversaram sobre suas viagens e andanças pelo mundo. Foi bom ouvir, na própria voz, todas aquelas peripécias. Quanta coisa já tinha feito! Quantas histórias tinha para contar. No entanto, entristeceu-se ao perceber que nada daquilo fora feito nos últimos cinco anos. Por que ficou tanto tempo no mesmo lugar? Justo ela que era conhecida por ter “rodinhas nos pés” e gostar de perambular!

Depois, foi sua reestréia na tal balada. As pernas ainda seguravam quase cinco horas dançando. A bebida espantava a timidez e a fazia sentir-se plena, viva, sem ter deixado amarelar a lira dos seus 20 e poucos anos.

Naquela mesma madrugada, chegou em casa e ligou a TV, que estava programada para sintonizar no canal de esportes que ele gostava. Trocou para um filme francês que ela adorava e se perguntou por que fazia tanto tempo que não revia aquele clássico do cinema. Sorriu novamente quando percebeu que sentia muito mais saudade dela mesma do que dele. “Quase me anulei deixando tantas coisas que gostava para trás." E isso foi tudo que conseguiu racionalizar e tirar de lição sobre o fim do namoro. Fez um sanduíche de peito de peru com requeijão, hábito que abandonara por insistência dele de não misturar carne com leite. Devorou-o e dormiu antes mesmo de o filme terminar. Sozinha e, por isso, sem escovar os dentes.