quarta-feira, 16 de junho de 2010

Garota enxaqueca.

Estar feliz me deixa inquieta.

Essa é uma verdade que luto para mudar, mas ainda é uma verdade. Depois de meses me debatendo contra a constatação do fim de um relacionamento falido, após tanto tempo sendo assolada por uma mente que não parava de se perturbar e cobrar, hoje noto que consegui colocar o trem descarrilado no seu rumo. Andando, em frente, docemente balançando no seu próprio ritmo. Esse balançar me embala. E, estranhamente, me dá medo.

O medo não vem pela possibilidade de perder o caminho ou cair, de novo, nos tons de cinza. Se isso acontecer, sei que sou capaz de fincar os pés no chão e seguir adiante quantas vezes forem necessárias. Mas, estar feliz me deixa intranqüila por que me acostumei a ter problemas, a ter minha cabeça preenchida por neuroses, preocupações, cobranças, lágrimas prestes a serem derramadas.
Isso me entretinha. Sadicamente, me ocupei tanto com minhas próprias tristezas que esqueci de aprender como se faz pra ser feliz. Esqueci como é dormir com alguém que se adora, acordar sem pressa e ficar maciamente ao lado daquela pessoa, cabeça encostada o peito. Desejar olhar seu rosto, beijá-lo, saber suas opiniões sobre cada insignificante e colossal assunto. Descobrir, com uma curiosidade borbulhante, os pequenos detalhes de sua história, os acontecimentos que o fizeram tremer. Como é não precisar impressionar nem se defender todo o tempo. Esqueci como é bom submergir, vez por outra, em um silêncio íntimo que não necessita ser preenchido por palavras vagas.

Passei tanto tempo perdida em mim, que desprezei como me é vital ser carinhosa, cuidar, ser cuidada e bem tratada. Esqueci como é bom ser surpreendida. Como é magnífico relacionar-se. Apaixonar-se.
Esqueci como é bom simplesmente ser.

E sua presença, no último dia dos namorados, me fez lembrar.

Talvez por isso o medo, esse tolo inútil. Sentir me deixa vulnerável: mas me proteger nunca me trouxe nenhum ganho.
Eu não quero me proteger de você. Quero apenas ser tranquila estando feliz.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Passado, presente e futuro.

Sandra acordava todos os dias desejando que Ronaldo deixasse de vez seus pensamentos. Mas teimava em acreditar que estavam conectados por alguma frequência e que existia uma comunicação silenciosa entre eles. Preferia pensar assim a aceitar a ideia de tudo ter sido nada, de toda a intensidade não ter passado de um entusiasmo solitário.

Já não sabia em qual dos dois pensava mais, se em Ronaldo ou se em Priscila. Tinha pensamentos absurdos com os dois, a ponto de querer estar entre eles, sendo ouvida e distribuindo tapas. Todos os seus pensamentos estavam completamente alucinados, sem parâmetros, alternados, inconstantes. Tinha pena de Priscila e sabia que ela viveria tudo ou talvez pior do que ela viveu. E riu ao mesmo tempo. Decidiu dedicar novamente um post para ela:

“Ele não é fiel a você, sob a desculpa de não terem a mesma religião. Ele alega que você não é para casar. É apenas um passatempo até a poeira baixar e ele conhecer outra menina judia. Os amigos dele me contam, me apóiam, me abraçam. Outro dia, afirmaram que ele veio até minha casa, durante a madrugada, e quis subir até meu quarto. Sabia disso? Não julgue como traição. Ainda faço parte dele e você sabe disso. Estou mais presente do que ele próprio na sua vida.
É tão óbvio que ele esta moldando você da mesma forma como fez comigo e isso me permite entender o que ele tanto gostou em você. Você topou o teatro. Você topou carregá-lo nas costas, arrumando emprego para ele, ligando pro chefe dele para pedir aumento, não foi? Assim como eu fiz há anos, pagando a dívida de R$ 95 mil que ele tinha com a faculdade de medicina. Ou quando enfrentei os maiores rabinos de São Paulo, por questionarem a fé dele.

É assim que funciona: ele se faz de vítima e você diz o que ele quer ouvir. Ele se diz fraco e você retruca: você é forte. Ele se julga mau e você desfaz dizendo o quanto ele é bom. É uma maneira ilusória de tirá-lo do poço em que ele mesmo se jogou. Só que um dia a temporada de shows acaba. Você vai tirar a máscara e vai se tocar que nada do que você falou fez ele mudar ou melhorar. A peça é mesma e quem escreve é ele. Eu estou me livrando de vocês.

Ainda vejo tudo de camarote e torço para que realmente alguma coisa nisso tudo desemboque em outro destino. Quanto a você, aproveite. Se quiser saber o final desta história de religião, traição e dívidas, sabe onde me encontrar.”


Ao terminar o texto, Sandra nem mesmo revisou. Clicou em publicar postagem antes que se arrependesse. Quando o texto apareceu na tela do computador, ela leu linha por linha, tensa, receosa. Ao final, como que uma redenção merecida e tão inesperada, ela sentiu-se arrebatada por uma sensação de liberdade. Noites de choro, fobias, planos maquiavélicos, tudo enfim foi substituído por um sentimento sorrateiro, mas delicioso.

Conseguiu ler sem sofrer, sem sentir o refluxo que trazia a acidez das lembranças de volta ao esôfago. Porque aquela não era mais sua história. Era a história de duas pessoas, felizes ou não, ingênuas ou não, que se amam ou não, mas certamente fadadas à repetição e à mediocridade. Como é que algo assim levou quase um ano para parecer tão nítido? Ver a situação do alto, como leitora e espectadora, deixou claro que não era mais preciso se vingar.

Que a maior vingança não viria dela. Viria deles mesmos. Da convivência, da rotina, do peso do dia a dia, da família dele, das convicções religiosas dele, que fatalmente acabariam por consumir aqueles dois. Tantos planos de sangue, de escândalos e a vingança maior estava ali o tempo todo: condenar um ao outro. Nada que ela pensasse poderia ter sido mais cruel do que isso.