quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Aluga-se.

Pode tirar essa preocupação da sua cabeça. Não é por você que eu estou apaixonada. É pela idéia de que isso vai acontecer comigo de novo.

Preciso de um rosto para preencher a falta de uma paixão, pra pensar antes de dormir, para dar expressão ao homem que aparece em meus sonhos. E por você ser tão bonito, achei conveniente colocar os seus traços no meu herói.

Ora, não dá para imaginar uma fumaça se declarando pra mim, me fazendo surpresas, né? Entende que, para que meus sonhos cumpram a função de sonhos, que é me dar forças e me fazer acordar todos os dias, eles precisam ser minimamente palpáveis e reais?

Então, peguei um cara, idealizei, montei um jeitinho irresistível, fiz ele apaixonado por mim, me apaixonei de volta e coloquei seu sorriso e seu corpo nele. Juntos, vivemos uma história cheia de paixão.

Por isso, acabo suspirando por você, ou melhor, pelo homem que criei e tem a sua fisionomia.

Apenas preciso de alguém para ocupar minha cabeça e fazer o tempo passar mais rápido enquanto estiver dirigindo ou tomando banho. E acabo imaginando que é “você” toda vez que um carro buzina, o celular toca ou um e-mail chega.

Não posso esquecer como é estar junto de alguém, se não me apaixono por estar só. Porque, sinceramente, quando olho no espelho, acho que a solidão me cai muito bem.

Portanto, não se assuste, nem tampouco se encha de si, se eu convidar você para sair, ligar a noite ou querer saber para onde vai no feriado. São palavras e gestos tão verdadeiros quanto efêmeros. Mas não é isso que você quer?

É que mesmo sem estar apaixonada, quero inflar de paixão tudo que faço. Você só calhou de ser a peça do outro lado do tabuleiro.

Não precisa me tratar cheio de dedos, com receio de que algo que faça ou diga desperte em mim um amor incondicional.

Peguei você emprestado, um pouquinho. Mas, prometo. Assim que me apaixonar por alguém de carne e osso, devolvo, tá?

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Nós.

Onde. Desato. Este. Fio. De. Lembrança. Que. Vem. Toda. Vez. Que. Ouço. A. Canção. Sinto. O. Cheiro. Mordo. Qualquer. Pedaço. De. Tantas. Coisas? Ficamos. Nós. Amarrados. Um. Ao. Outro. Sem. Saber. Como. Desenrolar. Cada. Um. Dos. Poucos. Restos. De. Nós. Mesmos. Que. Ainda. Estão. Embolados. Formando. Um. Novelo. De. Cor. Indefinida. Sobraram. Nós. Que. Nos. Atam. Embaixo. Do. Mesmo. Teto. Do. Mesmo. Lençol. Do. Mesmo. Guarda-chuva. Nós. Que. Não. Deixam. A. Vida. Caminhar. Sem. Tropeçar. E. Que. Não. Deixam. Esse. Texto. Fluir. Fica. Tudo. Truncado. Na. Garganta. Também. Cheia. De. Nós. Que. Só. Quer. Gritar. Quanto. Tempo. Demora. Para. Soltar. Todos. Os. Fios. Que. Ficaram. Gastos. Pelo. Tempo. Puídos. Pela. Dor. Salgados. Por. Tanta. Lágrima? E. Que. Mesmo. Assim. Não. Se. Soltam. Presos. Por. Linhas. Feitas. De. Histórias. Que. Agora. Nem. Precisam. Fazer. Sentido. É. Melhor. Assim. Então. Me. Ajude. Aqui. Com. Mais. Esse. Nó. Esse. Que. Ainda. Segura. Forte. Aperta. Machuca. Mas. Que. A. Gente. Não. Quer. Soltar. De. Jeito. Nenhum. Porque. Tantas. Vezes. Trançamos. Pernas. Braços. Bocas. Tão. Bem. Entrelaçados. Que. Não. Conseguimos. Entender. Porque. Nada. Mais. Se. Encaixa. Como. Antes. Um. De. Nós. Se. Soltou. Mais. Que. O. Outro. Agora. Vai. Até. Onde. Consegue. Chegar. Mesmo. Sem. Querer. Mas. Sabendo. Que. Precisa. Se. Desenrolar. Até. Achar. O. Próximo. Nó.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Para rir da TPM. Das outras.

Ainda estava pregada em sua cama quentinha quando ouviu um barulho na rua. Demorou a entender a gritaria. Com a boca colada no travesseiro e a sobrancelha franzida, se perguntou baixinho se tinha jogo do Brasil, corrida ou se era festa junina.

Alguns segundos mais foram necessários para Kátia entender que ainda era outubro, que não tinha jogo nem corrida e que, pior, era seu aniversário.

- Saco. Diazinho de merda. Foda-se que eu nasci há uma caralhada de anos.

Demorou a se atentar para a razão do burburinho lá fora.

- Kátia Maria, vem aqui fora que nóis tem um recado de alguém que te ama muito.

Antes fosse um pesadelo. Kátia Maria resolveu fingir que não era com ela. Mas a voz feminina grotesca insistia enquanto assassinava o português.

- Kátia, vem cá logo. Ou você quer que a gente suba, hein? Nóis veio aqui só por você. Foi o Wellington quem contratou nóis pra fazer dessa sua manhã um momento de magia encantada.

Não restava outra opção. Ela pegou o elevador, ainda com a camiseta velha que usava para dormir e descalça. Ficou, de costas para o espelho, claro.

- Olha gente, é ela vindo aí! êêêê! Vamo bater palmas pra aniversariante!

A caminhada lenta e a expressão pesada de Kátia foram transformando a alegria contagiante da trupe bizarra em um constrangimento geral. Até os vizinhos curiosos, que desfilavam com seus pijamas na calçada, ficaram em silêncio.

Com cara de poucos amigos, poucos não, com cara de amigo nenhum, Kátia ficou parada na porta. Com uma das mãos tapava o sol. A outra estava apoiada sobre a cintura. Deu alguns passos e falou para a oxigenada que a acordou.

- Presta atenção. Eu odeio esse tipo de telegrama. Dá pra ir embora? Se não por mim, pelo amor de D´us?

Virou-se pra Wellington e terminou.

- Que porra é essa?
- Gostou?
- Olha minha cara de alegria.
- Parece alegria não.
- Claro que não.
- Então não gostou?
- De qual parte? Das bexigas em formato de poodle? Dessa bandinha fedida? Da cabeça de Mickey no corpo do pica-pau? Ou dessa analfabeta com cara de candidata a big brother?

A multidão calou-se por uns segundos. Ouviam apenas a bandinha que continuava, ainda que bem baixinho, tocando Como uma Deusaaaa.

Kátia estava certa de que havia conseguido expulsar todos dali. Mas uma risada comunitária ensurdeceu a multidão.

-Eu tô falando sério, num é pra rir. Wellington, é assim que você quer voltar pra mim? Você vai conquistar é meu ódio desse jeito. Telegrama animado já é um horror. Mas esse daqui. Isso é o portal do inferno. Furreca que o ó. Fala sério!
- Eu não conhecia nenhum. Achei esse no catálogo.
- Você devia ter ido na letra T, de telegrama, e não na A, de aberrações.

Enquanto os vizinhos se esbaldavam de rir, os integrantes do telegrama foram saindo de fininho.

- Olha isso. Você espantou eles. São trabalhadores, Kátia. Acordaram cedo pra chegar aqui antes de você acordar.
- Se chegassem aqui meio-dia eles ainda iam me acordar, Wellington. Agora eu sou a vilã, é? Ó, filhão, some e leva junto a Turma do Didi. Além do que tá na hora do meu cocô da manhã. Gente, desculpa o tumulto, viu? Da próxima vez prometo que não falo nada. Jogo uma bomba logo.

E mais uma vez a multidão respondia com risadas.

Wellington foi embora direto pro bar, tomar uma cachaça. Se antes tinha que esquecer Kátia Maria , agora tinha que esquecer a humilhação toda.

Quando entrava de volta no prédio, Kátia ouviu alguém gritando por ela.

- Ei!

Virou e lá estava um dos membros da bandinha, com uma roupa uns três tamanhos maior que ele. Tinha ombreiras douradas com uma franjinha encardida. Os botões eram grandes e cheio de rococós. Ela deu uma manjada no rapazinho e mandou:

- Que foi, paquita?
- Eu sou Olavo, dono do Telegrama.
- E?
- Tá ruim, eu sei. A Lúcia Kelly, essa aí que chama as pessoas, é fraquinha mesmo. É que eu conheci ela num forró e prometi que ia fazer ela ficar famosa. Era papo só pra pegar, sabe?, mas aí depois...
- Amigo. Pára. Tá me embrulhando o estômago.
- Desculpa. Mas então. Você é muito simpática, engraçada, espirituosa. Quer o emprego?
- Tá de sacanagem?
- Não.
- Isso faz parte do telegrama? Tipo... é a parte do susto, da pegadinha?
- Prometo que é verdade.
- Nem fudendo.
- 50 por telegrama.
- Tô fora, paquita.
- 55?
- Cara... de boa. Sai daqui.
- 60?
- Some. Vaza.
- Tá. Tô indo.

Ele já passava do portão quando ela gritou.

- Ô, paquita!
- Oi?
- Haha. Olhou.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O importante é o cara ser gato.

Amo cachorros. Tenho três. A pequena Julieta, em especial, tem de mim um amor tão incondicional quanto imensurável. É ela que alivia minha tristeza, com seu afago quase sutil. E que impulsiona minha alegria com um simples movimento de cauda.

Mas, falando de machos, prefiro os gatos. Quando se trata de homem, para dividir minha vida, meus sonhos, meu dia-a-dia, meus planos, minha alma e minha cama, é preciso ser gato.

Não me refiro a um rosto bem desenhado ou abdome rasgado, claro. E a nenhum traço físico. Falo em ser gato na personalidade, no jeito, na essência. Não é a toa que cachorro é xingamento e gato, elogio.

Gatos não precisam de ninguém para dar comida, arrumar uma gata gostosa ou se distrair. Sabem muito bem viver sozinhos, mas oferecem o prazer de sua companhia. Se estivermos à altura, é óbvio. Gatos só se deixam "criar" por pessoas pelas quais têm o mínimo de respeito. Já viu mendigos ou bêbados com gatos de estimação? São, por natureza, independentes.

Eles nos olham como se fôssemos completos imbecis, quando soltamos alguma estupidez do tipo "Fofinho, vem com a mami". Já que vamos abrir a boca, que seja para algo que preste. Ou os deixemos dormir no canto deles, sozinhos, pois o sono é sagrado, queridona.

São elegantes. Pouco importa se moram na rua ou numa almofada fofa, os gatos satisfazem-se com o que são e não precisam ir ao pet shop colocar lacinho e perfume pra serem aceitos. Não admitem humilhação: que gostem deles do jeito como são ou os esqueçam, porque pra eles tanto faz.

Charmosos. Nunca se vêem gatos transando, atracados no meio da rua, de bando. São amantes noturnos, discretos. Esperam o momento certo de partir pra cima da fêmea. Nunca na frente de outros gatos (leia-se amigos), e nem na frente de ninguém. Eles não precisam mostrar que faturaram a gata.

Eles não fazem festa quando chegamos em casa, não babam com o linguão pra fora ou rolam pelo chão, mas sabem direitinho quando estamos tristes. Daí chegam, como quem não quer nada, sobem no nosso colo, ronronam, aconchegam-se e dormem um pouco, prestando solidariedade. Não são disponíveis nem estão ao alcance da mão todo o tempo, é certo, mas quando um gato está com você pode ter certeza de que ele não gostaria de estar em mais nenhum outro lugar. E nem faz aquilo por hábito ou obrigação. Diferentemente dos cães, gatos não querem ter um dono, e sim compartilhar bons momentos. São honestos.

Não mentem, não têm hierarquia, não fingem gostar de crianças, não sorriem quando na verdade querem que você suma, vá se divertir com as amigas e os deixem em paz. São preguiçosos, sedutores, imprevisíveis, enigmáticos e interessantes. Defeitos e virtudes no ponto certo.

Conviver com eles requer maturidade. Não são traiçoeiros, são livres. São autênticos, por isso são difíceis e têm fama de "mau". Mas para a maioria (das mulheres), é muito mais fácil lidar com mentiras gentis, babação de ovo e puxação de saco, por isso desfilam por aí com um cãozinho à tira colo.

E eu que nunca gostei de nada fácil, principalmente depois de ter passado cinco anos com um cachorro, que se perdia quando não era conduzido por uma guia (foi só eu passar três dias em Buenos Aires, que ele fez lambança e cagou na sala toda), parodio Vinícius numa frase que, ultimamente, tornou-se um mantra na procura pelo homem ideal: os caninos que me desculpem, mas ser gato é fundamental.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Bem-feito.

O que tenho a dizer para você?

“Certamente você não é tão ruim. É só alguém que pisou na bola, como acontece com todos nós. Mas nenhum dos 'todos nós' dividia a vida comigo. Não importa se tenho razão ou se meus motivos são fortes o suficiente para dizer o que digo. Aprendi algo importante desde que nos separamos: fome e dor não se medem. Cada um tem o seu limite. Passei muito tempo com o meu à beira do insuportável. Se te desprezo tanto assim, por que perdi tempo escrevendo este texto? Porque sei que ele conseguirá algo que eu já não conseguia e que me massacrava: surtir algum efeito em você."

Seria lindo dizer 'Espero que você seja feliz'. Mas quero seu arrependimento seguido de um indisfarçável rastejar.

Ao contrário de você, confesso meu erro em prometer sinceridade constante e não cumprir. Escondi minha raiva pelas suas derrapadas, falta de argumentos, omissões antes eventuais e depois tão freqüentes. Não disse o que me aborrecia com medo de desandar as coisas entre nós, sem notar que já não existia 'entre nós', só entre mim e alguém que se esqueceu de apagar a luz ao sair para deixar evidente o abandono do recinto.

A maior vitória disso tudo não foi triturá-lo. Foi descobrir que não me basta viver ao lado de alguém emocionalmente surdo e cego, nutrindo-me de expectativas tão frágeis. Eu não chorei por você. Chorei por uma idéia que fracassava. Por um sonho que virou pó. Por uma esperança que se esfarelou entre meus dedos.

Agora, uma das sensações mais prazerosas da existência humana dá deleite a meu ser: ver chorando alguém que me fez sofrer.

Meu amor era incalculável, e, por isso, tanto enorme é a alegria mórbida em observá-lo a debater-se com sua tristeza, como um peixe pendurado pelo rabo para fora do aquário. E bem pertinho da água.

Parei de ignorar ou fingir que meu sadismo não existe. Todos somos maus quando temos oportunidade. Não é porque um espasmo de satisfação percorre o meu corpo perante as suas lágrimas que me torno desprezível. Ele ocorre tão naturalmente quanto um largo sorriso quando observo a vitória de quem amo.

Minha mão, sempre pronta para ajudar, foi rejeitada como um pedaço de pão velho. Agora, dá tapinhas nas suas costas. E bate palmas perante o espetáculo, tão contrangedor quanto divertido.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Samba de Orly - Para meu Belindo.

Vai meu irmão
Pegue esse avião
Você tem razão
De correr assim
Desse frio, mas beija
O meu Rio de Janeiro
Antes que um aventureiro
Lance mão.

Pede perdão pela duração
Dessa temporada
Mas não diga nada
Que me viu chorando
E pros da pesada
Diz que eu vou levando.

Vê como é que anda
Aquela vida à tôa
E se puder me manda
Uma notícia boa.

Chico / Toquinho / Vinícius.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Não venha meter o amor no meio.

Sempre me intrigou o termo “fazer amor”. Tirando o fato de ser brega até o talo, nunca entendi porque deram ao sexo esse peso todo. Amor não se faz ali na cama, na banheira, em pé, sentado, ou quietinho em banheiros públicos. Amor se faz nos planos, nas conversas, nas piadinhas, nos apelidos. Trepar, fuder, transar é outra coisa. Nada disso precisa de amor para acontecer, muito menos para ser bom.

É claro que estar numa relação dá mais tranqüilidade e intimidade. Às mais preservadas, dá a segurança necessária para mandar uns ‘vai com força, safado’, ou ‘bate na minha bunda, gostosão’ sem parecer uma ninfo sedenta. Também faz o dia seguinte ser mais leve. Sem ressaca moral, sem lembrar a cara do sujeito e imaginar o que ele achou. Sem esperar o telefone tocar ou um novo convite surgir.

Mas vamos combinar que, no vai e vem da criança, não tem amor que faça diferença. É suor, instinto, olho virado e lábio mordido, é todo mundo querendo gozar. É tira, põe, rebola, mexe, geme, quica, gira e o que a flexibilidade humana permitir.

O sentimento em si, o amor, a vontade de casar, ter filhos, o carinho, o cuidado, nada disso influencia a qualidade do sexo. Ou vai dizer que você nunca deu umazinha inesquecível com uma pessoa que não amava?

Claro que trepar com amor tem um clima diferente. Mas isso tudo se manifesta nas preliminares, não no pau quebrando em si. Eu estou falando é da hora que o cuco funciona, que a jeripoca pia, que a maria-fumaça apita. De um em cima e outro embaixo, de um de quatro e outro ajoelhado. Tô falando de hormônios ensandecidos que independem de amor pra se manifestar. Que funcionam com toque, com estímulos físicos. Por mais que você ame o cara que está lá colado em você, quero ver manter um olhar doce e meigo enquanto está com as costas roçando num lençol e o fulano suado rasgando tudo em cima. Quero ver o cara, enquanto está atrás da mulher, vendo aquela bundona ali dando oi pra ele, aquela coisa toda arreganhada, por mais apaixonado que esteja, pensar que vai se encaixar ali com amor. Ah, não. E não tem nada de errado em não haver amor nesse momento. É, na verdade, uma prova de que ainda existe justiça nesse mundo doido. Porque tanto os casais mais enamorados quanto os recém-conhecidos podem ter o mesmo prazer.

Se amor bastasse pro sexo ser delicioso, se a qualidade da xuxada fosse proporcional ao amor que o casal sente, relacionamentos não balançariam por falta de encaixe, em todos os sentidos. Vale amor com sexo e sexo sem amor. Só não vale “fazer amor”. Pelo amor, né?

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Heroicamente livre.

Pronto. Estou livre. Sou dona de mim, única a responder pelos meus atos. O compromisso virou um lugar estreito e me repeliu como o útero expulsa o feto depois de formado. Simplesmente, parei de caber ali.

Posso tentar voltar e ignorar que o passado é pequeno demais para as dimensões que atingi. Ora, se aparar algumas arestas, é possível viver de novo naquela relação.

Escolho caminhar em corda bamba até o limite de meu sonho, sem nem olhar para trás. As vísceras torturadas me guiam para a direção oposta à estagnação. Quero o fluxo, quero a ação de morrer e nascer para que um novo eu se construa dentro de mim.

Um eu instintivo, primário que se apega ao desapego como forma sincera de liberdade. Minhas vontades explodem em voluptuosidade. A fúria dos impulsos é meu último refúgio.

Só tenho q fazer uma confissão: estou um pouco assustada. É que não sei onde me levará essa minha liberdade. Não é arbitrária nem libertina. Mas estou solta.

Antes de me organizar para lidar com esse novo eu, tenho que me desorganizar inteiramente, para poder experimentar o primeiro e passageiro estado de liberdade. Da liberdade de errar, cair, levantar-me, descobrir-me e compreender.

Mas, se eu esperar compreender para aceitar as coisas, nunca o ato de entrega se fará. Se quiser de fato sentir a plenitude deste instante de liberdade, tenho que dar o mergulho no desconhecido, de uma só vez. Mergulho que abrange a compreensão e, sobretudo, a incompreensão.

E quem sou eu para ousar compreender? Devo entregar-me. Sem pensar nem pestanejar. Como? Sei somente que andando é que se aprende a andar.

Então, marcho em direção ao futuro, tendo como único obstáculo saber que há pouco, muito pouco a perder.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Quem é você, afinal?

Não me interessa o que você faz para viver. Quero saber o que deseja ardentemente, e se você se atreve a sonhar em encontrar as mais obscuras vontades do seu coração.

Não me interessa quantos anos você tem. Quero saber se você arriscaria parecer um tolo por amor, por seus sonhos ou pela simples aventura de estar vivo. Não me interessa qual seu signo. Quero saber se já tocou o centro de sua própria tristeza e o que fez com as traições da vida: se tornou-se mais aberto e forte ou murcho e fechado por medo das futuras mágoas.

Quero saber se você resiste à dor, sem tentar escondê-la, diminuí-la ou tratá-la. Quero saber se você é capaz de dançar por toda noite e deixar que o êxtase tome conta de seu corpo, dos cabelos aos dedos do pé, ignorando as limitações de ser humano.

Não me interessa se a história que você está contando é verdadeira. Quero saber se você pode desapontar alguém para ser honesto com você mesmo; se você pode suportar acusações de traição por ser leal e confiável à sua própria personalidade.

Quero saber se você pode ver a beleza em atos corriqueiros que a rotina torna banal. E se você pode buscar a fonte de sua vida no simples fato de acordar todos os dias. Quero saber se você pode conviver com o fracasso e ainda assim fincar os pés no chão e seguir adiante.

Não me interessa saber onde mora e quanto dinheiro você tem. Quero saber se você pode levantar depois de uma noite de desespero, cansado e machucado até os ossos e ainda assim fazer o que for preciso para conseguir um sorriso meu.

Não me interessa quem você é, como chegou até aqui. Quero saber se você vai se postar no meio do fogo comigo, sem se encolher nem recuar.

Não me interessa onde ou o que ou com quem você estudou. Quero saber o que o sustenta por dentro quando suas expectativas derretem. Quero saber se você é capaz de ficar só consigo mesmo e se realmente gosta da companhia que encontra nos momentos vazios.