terça-feira, 24 de agosto de 2010

Lady in red.

Tá tudo uma bosta: quanto mais me arrumo, mais medonha fico. Estou com olheiras. Minha pele ta mais empipocada que campo de batalha. Acabei de sair do banho, mas o cabelo já está espigado e de nada adianta os milhares de produtos enfileirados na pia (nem os Kerestases comprados em Paris).

Vou para a rua: se o sol está forte irrita a vista, se chove fatalmente meu cabelo vai ficar ainda mais arrepiado, se o tempo tá nublado fico com sono.

O semáforo demora para abrir; só têm imbecis e lerdos no trânsito. Se abre rápido, pô, podia ter demorado um pouco mais pra eu chegar atrasada e a manhã passar mais rápido.

O trabalho está uma neurose só. No email da SKY, um briefing atrás do outro. No email pessoal, e sou atolada por spams que ensinam como aumentar o pau que não tenho.

No almoço, tenho vontade de nadar num pote de brigadeiro, mas, se faço isso, quase corto os pulsos. Olho a torta de limão e como: acho que vou enfiar o dedo na goela, no melhor do ritual bulímico.

Sinto meus peitos crescerem e sobrarem no sutiã. A barriga idem, até cobrir o cinto. Meu corpo vai inflando feito balão de festa infantil e fico num puta mau humor. Não suporto falar com ninguém.

Meu namorado tenta me animar. Faz piadinhas e me trata como uma criança birrenta. O próximo passo é perguntar “o que você tem que está estranha?”

Fico esquisita mas não me questione. Posso não querer sexo num minuto e, no seguinte, avançar tão violentamente que a vítima vai achar que está sendo atacada por um urso polar.

Meus hormônios tiram sarro de mim e gritam em coro: "Você está chata! E feia! E gorda feito uma porca castrada!".

Não suporto a presença de ninguém por mais de dois minutos, mas caio em depressão se me deixam sozinha. Choro a ponto de soluçar. Tenho cólicas e reclamo, mas odeio quando alguém vem, com cara de palhaço, me oferecer um remedinho. Não quero remedinhos, quero sangue, porra!

E, de repente, tudo acaba diante da deliciosa constatação: acabo de frustrar a intenção de mais um óvulo. Ufa!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Reencontro

Outrora, a paixão me contaminou com uma incurável visão seletiva e tornou-me patética e miseravelmente feliz. Mas, como toda doença, um dia acabou.

Acordei entre os sobreviventes, rastejando rumo à saída e alguma alegria - que, quando veio, pareceu sutil. Cansada, só conseguia mais motivos para persistir no flagelo e lamentar a súbita ruína da felicidade eterna.

De repente, sem que eu notasse, o tempo foi deixando essas sensações mais e mais dispersas. Até que, num dia qualquer, desapareceram. Fiquei curada.

Toquei a vida, ri do que passei e até me apaixonei de novo. Voltei a fazer planos, escrever, viver, viajar, colecionar bons momentos com a família, as amigas e a dois.

Até que, no último sábado, pela primeira vez em um ano, reencontrei quem me causou o inesquecível desprazer. E, como o acontecimento final para que eu pudesse, de uma vez por todas levantar luto, senti um desapontamento, meio inexplicável, mas bem nítido.

Durante os cinco segundos que nossos olhares se cruzaram, uma tonelada de sensações chegaram juntas e misturadas. Até que, me dei conta de estar diante de alguém muito diferente daquele que me encantou. Um completo estranho.

Pela primeira vez, enxerguei aquele homem despido da perfeição com a qual o envolvi. Despido de minhas quase arquetípicas aspirações românticas.

Então o que era divino tornou-se frustrantemente humano. E aí, com mal-estar e um certo nojo, compreendi que a paixão é o mais narcisista dos sentimentos: me apaixonei pelo que queria que ele tivesse, fosse, agisse, pensasse. Fui arrebatada, todos esses anos, por meus próprios sonhos projetados sobre outra pessoa – uma pessoa que nunca existiu fora da minha cabeça.

Não soube direito como agir. Foi muito repentina a mudança de visão e a reação adequada ainda não havia se formulado. Vendo ele, lá de longe, sem coragem de se aproximar, ao mesmo tempo que tentava descobrir o que fazer, notei pequenos detalhes até então invisíveis: o sorriso tímido, a falta de sociabilidade que o obrigou a ficar no canto do salão durante toda a festa, a baixa estatura e as sobrancelhas coladas.

A gravata estampada que eu odiava, mas habitava no setor "excentricidades" agora se mudou pro "brega".

E me veio uma certa aflição diante daquele corpo que já não reflete meu desejo. Onde foram parar o brilho, a beleza tão particular, a presença envolvente?

Eles estão onde sempre estiveram e agora já têm um novo corpo eleito como abrigo.

Foi o enterro oficial.

Então, passados os poucos segundos daquela rápida troca de olhares, a única coisa que me veio à mente foi:"Como eu pude?"