sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Should I Stay or Should I Go?

Não quero namorar. A idéia pode até ter passado por perto de mim enquanto me encontrava sob o efeito da dor e bordô dos meus copos de caipirinha de morango, dos beijos de línguas enroladas e juras de amor. Mas assim que minha cabeça volta a funcionar, namoro se torna tão desejável quanto quilos a mais.

Acho uma delícia dormir acompanhada, eventualmente acordar acompanhada. Mas, começar tudo de novo: passar finais de semana brigando por pequenas palavras tortas, dividir meus espaços, entrar em acordo quanto aos feriados, jantar na casa da sogra com a família reunida, não chega a ser uma perspectiva que me faça sorrir em dias cinzentos.

Há de levar-se em conta o fato de eu não ter muita paciência e nunca saber quando o pouco que existe dela escoará ralo abaixo. Fora, é claro, minha ferida recente, que ainda não está completamente estancada.

O problema é que ele me pediu em namoro.

Ele quer namorar e eu, sair correndo.

Posso até dizer que tudo bem, vamos lá, cinco telefonemas em um único dia, tríplice jantar-cinema-cama todos os finais de semana, dar satisfação do que estou fazendo e pra onde vou, quebrar o pau porque saí sozinha numa quinta-feira à noite.

Posso dizer tudo bem, vamos lá, férias obrigatoriamente juntos, um querendo Europa outro querendo Ásia, no que você gastou esses trezentos reais da fatura do cartão de crédito, mas o dinheiro é meu e torro como quiser, festa da empresa que não pode levar acompanhante – você nem pensa em ir, não é?

Dizer tudo bem, vamos lá, é fácil. Difícil é eu querer abrir mão da minha solidão necessária, das vontades esparsas de outros corpos, da necessidade de seduzir pra não enferrujar, de realmente desejar esse tudo-junto-todo-dia.

Mas agora complicou. Acabou-se a deliciosa ingenuidade de viver hoje sem pensar um ano a frente, em comprar minhas roupas ignorando solenemente que tenho que juntar dinheiro para começar uma vida a dois. Afinal, já não sou tão nova e restam cada vez menos amigas e pretendentes solteiros.

Eu que já chorei tanto por amores quebrados sem possibilidade de cola. Que quis gente errada, na hora errada, do jeito errado. Amei um, esperei alguns e espezinhei bem poucos. Eu que vou até o fim do caminho pra não ter dúvida sobre a felicidade morar na última curva. Calejei os pés e sangrei inteira. Eu que não tenho porcentagem: sempre 100%, seja nas risadas ou no desejo de deixar de existir. Eu que vejo sempre tudo cor-de-rosa ou o horizonte escuro, com trovões e a impossibilidade de céu azul.

Eu que preservo algo em mim, trancado, detrás de placas de "Afaste-se", mas anseio, calada, alguém que invada o terreno, quebre a grade e descubra o que há lá dentro. Publicamente, cínica e irônica. Em essência, triste. Eu que anseio pela felicidade eterna, e não acredito mais no eterno, preciso decidir se hipoteco meu futuro com alguém ou comigo mesma.

Estar com ele é como boiar no mar: a tranquilidade é impagável. Não menos que a excitação da possível aproximação de ondas. Tenho cafuné, carinho, sexo, copo de vinho cheio, companhia no caminho — seja até o parque, seja até o fim da vida. Ele me acalma com o abraço sólido, que mais parece uma cápsula morna que me mantém distante dos perigos do mundo.

Sozinha, tenho minha pinça para me encher de ferida, minhas baladas divertidíssimas, minhas horas em frente ao espelho, me maquiando para ver se consigo atrair olhares gulosos, messeger e facebook cheios de más intenções, meus livros madrugada a dentro. Entregue a minha companhia, possuo o domínio do meu tempo e sofro ou me alegro sem testemunhas, sem perguntas.

Sei que estou comparando o azul do mediterrâneo com o bege do Saara, mas nada me dá a certeza que conseguirei manter o melhor dos dois e não acabar tendo o pior de ambos: a opressão da presença alheia e a desolação do meu vôo solo. Alguém precisa me ensinar a dosar: minhas medidas estão todas fora do padrão.

Ele quer me namorar eu não estou pronta para, novamente, me sentir de alguém.

Ele quer viver comigo e eu não confio na duração do meu desejo.

Eu só quero um dia bom após o outro e, ao olhar pra trás, sei lá quando, notar que eles foram mais constantes e marcantes que as horas ruins.

Ele precisa de um compromisso, um rótulo. Minha felicidade é medida pela vontade de estar com alguém subtraindo a necessidade de estar. A dele, um jantar em família ou uma festa em amigos, de mãos dadas comigo. Eu me delicio com os vícios, ele aspira pelas virtudes. Eu me alio a quem não entendo. Ele, conta pra todo mundo a nossa história, em ordem cronológica e com detalhes, pra ver se a minha inconstância passa a fazer algum sentido.

Mas, mesmo assim, ele quer me namorar.

Poderia acabar com tudo. Dissolver o impasse e tocar a vida para o próximo interesse, que existirá. Sempre existe. A tapas e dor, aprendi isso. E então eu perceberia como é bom estar ao lado de alguém que tem muito para me dar. Estabeleceria uma troca, decifraria os silêncios, superaria o embaraço do meu corpo nu perante o olhar de significado que desconheço e, por isso mesmo, temo.

Poderia, e posso, fazer o que quiser, como sempre fiz, mas não é essa a questão. O que tem tirado meu sono é que ele realmente gosta de mim e me coloca diante da certeza de que, ao seu lado, jamais sofreria. E eu não tenho a menor idéia do que fazer com isso.