terça-feira, 27 de outubro de 2009

Para rir da TPM. Das outras.

Ainda estava pregada em sua cama quentinha quando ouviu um barulho na rua. Demorou a entender a gritaria. Com a boca colada no travesseiro e a sobrancelha franzida, se perguntou baixinho se tinha jogo do Brasil, corrida ou se era festa junina.

Alguns segundos mais foram necessários para Kátia entender que ainda era outubro, que não tinha jogo nem corrida e que, pior, era seu aniversário.

- Saco. Diazinho de merda. Foda-se que eu nasci há uma caralhada de anos.

Demorou a se atentar para a razão do burburinho lá fora.

- Kátia Maria, vem aqui fora que nóis tem um recado de alguém que te ama muito.

Antes fosse um pesadelo. Kátia Maria resolveu fingir que não era com ela. Mas a voz feminina grotesca insistia enquanto assassinava o português.

- Kátia, vem cá logo. Ou você quer que a gente suba, hein? Nóis veio aqui só por você. Foi o Wellington quem contratou nóis pra fazer dessa sua manhã um momento de magia encantada.

Não restava outra opção. Ela pegou o elevador, ainda com a camiseta velha que usava para dormir e descalça. Ficou, de costas para o espelho, claro.

- Olha gente, é ela vindo aí! êêêê! Vamo bater palmas pra aniversariante!

A caminhada lenta e a expressão pesada de Kátia foram transformando a alegria contagiante da trupe bizarra em um constrangimento geral. Até os vizinhos curiosos, que desfilavam com seus pijamas na calçada, ficaram em silêncio.

Com cara de poucos amigos, poucos não, com cara de amigo nenhum, Kátia ficou parada na porta. Com uma das mãos tapava o sol. A outra estava apoiada sobre a cintura. Deu alguns passos e falou para a oxigenada que a acordou.

- Presta atenção. Eu odeio esse tipo de telegrama. Dá pra ir embora? Se não por mim, pelo amor de D´us?

Virou-se pra Wellington e terminou.

- Que porra é essa?
- Gostou?
- Olha minha cara de alegria.
- Parece alegria não.
- Claro que não.
- Então não gostou?
- De qual parte? Das bexigas em formato de poodle? Dessa bandinha fedida? Da cabeça de Mickey no corpo do pica-pau? Ou dessa analfabeta com cara de candidata a big brother?

A multidão calou-se por uns segundos. Ouviam apenas a bandinha que continuava, ainda que bem baixinho, tocando Como uma Deusaaaa.

Kátia estava certa de que havia conseguido expulsar todos dali. Mas uma risada comunitária ensurdeceu a multidão.

-Eu tô falando sério, num é pra rir. Wellington, é assim que você quer voltar pra mim? Você vai conquistar é meu ódio desse jeito. Telegrama animado já é um horror. Mas esse daqui. Isso é o portal do inferno. Furreca que o ó. Fala sério!
- Eu não conhecia nenhum. Achei esse no catálogo.
- Você devia ter ido na letra T, de telegrama, e não na A, de aberrações.

Enquanto os vizinhos se esbaldavam de rir, os integrantes do telegrama foram saindo de fininho.

- Olha isso. Você espantou eles. São trabalhadores, Kátia. Acordaram cedo pra chegar aqui antes de você acordar.
- Se chegassem aqui meio-dia eles ainda iam me acordar, Wellington. Agora eu sou a vilã, é? Ó, filhão, some e leva junto a Turma do Didi. Além do que tá na hora do meu cocô da manhã. Gente, desculpa o tumulto, viu? Da próxima vez prometo que não falo nada. Jogo uma bomba logo.

E mais uma vez a multidão respondia com risadas.

Wellington foi embora direto pro bar, tomar uma cachaça. Se antes tinha que esquecer Kátia Maria , agora tinha que esquecer a humilhação toda.

Quando entrava de volta no prédio, Kátia ouviu alguém gritando por ela.

- Ei!

Virou e lá estava um dos membros da bandinha, com uma roupa uns três tamanhos maior que ele. Tinha ombreiras douradas com uma franjinha encardida. Os botões eram grandes e cheio de rococós. Ela deu uma manjada no rapazinho e mandou:

- Que foi, paquita?
- Eu sou Olavo, dono do Telegrama.
- E?
- Tá ruim, eu sei. A Lúcia Kelly, essa aí que chama as pessoas, é fraquinha mesmo. É que eu conheci ela num forró e prometi que ia fazer ela ficar famosa. Era papo só pra pegar, sabe?, mas aí depois...
- Amigo. Pára. Tá me embrulhando o estômago.
- Desculpa. Mas então. Você é muito simpática, engraçada, espirituosa. Quer o emprego?
- Tá de sacanagem?
- Não.
- Isso faz parte do telegrama? Tipo... é a parte do susto, da pegadinha?
- Prometo que é verdade.
- Nem fudendo.
- 50 por telegrama.
- Tô fora, paquita.
- 55?
- Cara... de boa. Sai daqui.
- 60?
- Some. Vaza.
- Tá. Tô indo.

Ele já passava do portão quando ela gritou.

- Ô, paquita!
- Oi?
- Haha. Olhou.

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