segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Reencontro

Outrora, a paixão me contaminou com uma incurável visão seletiva e tornou-me patética e miseravelmente feliz. Mas, como toda doença, um dia acabou.

Acordei entre os sobreviventes, rastejando rumo à saída e alguma alegria - que, quando veio, pareceu sutil. Cansada, só conseguia mais motivos para persistir no flagelo e lamentar a súbita ruína da felicidade eterna.

De repente, sem que eu notasse, o tempo foi deixando essas sensações mais e mais dispersas. Até que, num dia qualquer, desapareceram. Fiquei curada.

Toquei a vida, ri do que passei e até me apaixonei de novo. Voltei a fazer planos, escrever, viver, viajar, colecionar bons momentos com a família, as amigas e a dois.

Até que, no último sábado, pela primeira vez em um ano, reencontrei quem me causou o inesquecível desprazer. E, como o acontecimento final para que eu pudesse, de uma vez por todas levantar luto, senti um desapontamento, meio inexplicável, mas bem nítido.

Durante os cinco segundos que nossos olhares se cruzaram, uma tonelada de sensações chegaram juntas e misturadas. Até que, me dei conta de estar diante de alguém muito diferente daquele que me encantou. Um completo estranho.

Pela primeira vez, enxerguei aquele homem despido da perfeição com a qual o envolvi. Despido de minhas quase arquetípicas aspirações românticas.

Então o que era divino tornou-se frustrantemente humano. E aí, com mal-estar e um certo nojo, compreendi que a paixão é o mais narcisista dos sentimentos: me apaixonei pelo que queria que ele tivesse, fosse, agisse, pensasse. Fui arrebatada, todos esses anos, por meus próprios sonhos projetados sobre outra pessoa – uma pessoa que nunca existiu fora da minha cabeça.

Não soube direito como agir. Foi muito repentina a mudança de visão e a reação adequada ainda não havia se formulado. Vendo ele, lá de longe, sem coragem de se aproximar, ao mesmo tempo que tentava descobrir o que fazer, notei pequenos detalhes até então invisíveis: o sorriso tímido, a falta de sociabilidade que o obrigou a ficar no canto do salão durante toda a festa, a baixa estatura e as sobrancelhas coladas.

A gravata estampada que eu odiava, mas habitava no setor "excentricidades" agora se mudou pro "brega".

E me veio uma certa aflição diante daquele corpo que já não reflete meu desejo. Onde foram parar o brilho, a beleza tão particular, a presença envolvente?

Eles estão onde sempre estiveram e agora já têm um novo corpo eleito como abrigo.

Foi o enterro oficial.

Então, passados os poucos segundos daquela rápida troca de olhares, a única coisa que me veio à mente foi:"Como eu pude?"

3 comentários:

  1. Lelis querida, talvez vc ache estranho uma amiga da sua mãe te dizer isto, mas preciso te dizer. Primeiro que vc é uma artista das palavras e com esta sua arte escreve maravilhosamente bem, vc é uma escritora extremamente talentosa.
    Segundo vc conseque descrever sentimentos que muitos já viveram mas que talvez nunca entenderam tão claramente como vc os descreve.
    Adoro ler seu blog e tinha a necessidade de te dizer. Muitos beijos para esta linda escritora.
    Norma El Kobbi

    ResponderExcluir
  2. Lelis, um ano depois já ta na hora de parar de escrever sobre seu ex!
    o que passou passou, a vida segue em frente e fim!
    espero que esta ultima cronica seja sincera... ou seja, ENTERRO OFICIAL!
    XAZIN

    ResponderExcluir
  3. Lelis, estou positivamente muito impressionada com seu blog. É fantástico ver como vc transformou sua dor em potência criativa e estímulo para escrever de forma tão bacana.
    Adorei ler seu blog, parabéns!!
    Maya Foigel

    ResponderExcluir